terça-feira, 10 de abril de 2012

Como a matemática funciona - Parte 1

Eu pretendo dar uma ideia aqui de como as coisas são feitas na matemática. Afinal, é comum ter gente achando a matemática exagerada e complicada demais. O interessante é que as ideias que deram base a diversos conceitos matemáticos são bastante simples, a complicação que existe é consequência natural destas ideias simples, as pessoas simplesmente foram descobrindo, ninguém complicou propositadamente ou quis inventar um conceito ultra-avançado e abstrato.

Já que é pra falar de ideias simples, vou falar sobre um assunto simples, que são os números, e a partir disso vamos vendo como as coisas vão evoluindo.

Para começar, vamos considerar três números que são arbitrários e desconhecidos, podemos chamá-los de a,b,c. Eu estou partindo da hipótese de que quem está lendo isso já superou a fase de ter dificuldade com letras no lugar de números. Pois bem, temos estes três números, observe a seguinte afirmação: "se a é menor que b e b é menor que c, então a é menor que c."

É tão óbvio que a afirmação é verdadeira que seria exagero dizer que é necessário provar que ela é verdadeira mesmo, mas esse é o ponto, é necessário provar. Na matemática, qualquer coisa que você afirma ser verdade tem que ser verdade mesmo, e o único modo de garantir isso é provando que é verdade. Então vamos lá!

"Bom...ahhnnn....po...é obvio, não precisa!"
Este é o tipo de coisa que muita gente poderia dizer, outro tipo de "argumento" que muitos poderiam dizer é o seguinte:
"Tenta achar três números que não estão de acordo! Não achou né, então é verdade mesmo."
Este último argumento, muito cuidado com ele, não prova nada pois existem infinitos números pra conferir e pode acontecer de que apenas números enormes não estejam de acordo, ou que existam alguns números bem específicos que não estejam de acordo. Enfim, este argumento pede que a pessoa faça a verificação e tente achar algum caso que não esteja de acordo com a afirmação dada, mas a verificação deve ser completa, pois a afirmação fala de TODOS os números.

PS: Este argumento é usado em outras situações também, geralmente como artifício pra ganhar alguma discussão. É importante deixar claro que o argumento só é válido quando é possível verificar todos os casos.

Mas voltando à matemática, conseguiu pensar em algo?
Antes de tentar provar qualquer coisa, é necessário saber do que estamos falando.
Aqui vem uma coisa interessante, o que quer dizer um número ser menor que outro? Eu sei que todos tem essa noção, mas como colocamos esta noção em forma de matemática?
O que muitos devem ter pensado: "dizer que a é menor que b é o mesmo que a < b". De fato, é assim que se simboliza matematicamente. Podemos então reformular a afirmação:
"se a < b e b < c, então a < c". Pra quem está acostumado com esta notação, fica até mais fácil ler assim do que ler por extenso como foi colocado no início, mas quando dizem que um número é menor que outro, você não pensa apenas nestes símbolos, você realmente possui uma intuição sobre o assunto, talvez você até consiga visualizar o que é um número ser menor que outro. Pode ser que explicar precisamente não seja fácil, mas você sabe o que quer dizer um número ser menor que outro.

Um modo comum e altamente intuitivo de visualizar os números é imaginá-los sobre uma reta, como uma régua.





O número 1, por exemplo, é menor que o número 4, vendo pelo desenho, isso quer dizer que se estamos no 1 e queremos chegar ao 4, precisamos "andar" para a direita do 1, até chegar ao 4.




O que significa "andar para a direita" neste contexto? Se eu ando para a direita, os números aumentam, se eu ando para a esquerda, eles diminuem. Matematicamente, o que estou fazendo com os números?
Pra quem disse ou pensou em soma e subtração, meus parabéns, estou te devendo uma bala! Pois é exatamente isso o que acontece, se eu estou no número 1 e andei para a direita, é o mesmo que dizer que eu somei algum número ao 1, e se fui para a esquerda, quer dizer que subtraí algum número do 1. Resumindo a história:
Andar pra direita do 1: 1 + algum número.
Andar pra esquerda do 1: 1 - algum número.

Concluindo, se o número 1 é menor que o número 4 é porque eu preciso somar algum número ao número 1 pra chegar a 4, ou seja, 1 < 4 pois 1 + algum número = 4. Não pretendo ficar escrevendo "algum número" toda hora, então sempre que eu for me referir a este número, vou escrevê-lo como p. Posso então reformular o que disse acima de um modo mais simples: dizer que 1 < 4 é o mesmo que dizer que 1 + p = 4.
PS: está implícito que p é positivo, pois a quantidade de "passos" que damos a partir do 1 é positiva.

Então eu passei de "1 é menor que 4", que é a linguagem humana, para " 1 < 4", que é a linguagem matemática mas não resolve nada ( é apenas uma tradução ), e finalmente para
"1 + p = 4", que é ainda na linguagem matemática, mas é mais que uma tradução pois envolve uma equação que pode ser resolvida e interpretada como verdadeira ou falsa, nos dando um parecer sobre a afirmação.
Por exemplo, se eu disser que 4 < 1, é o mesmo que dizer que 4 + p = 1, com p positivo, então resolvemos a equação.

4 + p = 1
p = 1 - 4
p = -3

Opa! Deu algum erro aí, porque p deveria ser positivo, mas as contas estão certas, então o erro só pode ter sido lá no início, quando eu afirmei que 4 < 1.

Então este modo de caracterizar números maiores e menores permite sempre uma verificação precisa, fora isso, observe que eu trouxe o conceito de maiores e menores para a resolução de problemas que envolvem apenas contas de somas e subtrações, então essa caracterização além de verificável é a mais simples possível ( quer algo mais simples que somar e subtrair? ). Ainda mais, essa caracterização veio de observações totalmente intuitivas a respeito dos números, então ela é uma tradução direta de como nós mesmos observamos os números e suas relações de tamanho, talvez ela seja o modo mais simples e compreensível para nós, seres humanos.

Quem leu até aqui, com paciência e refletindo sobre o que foi dito, deve ter notado a simplicidade que foi buscada para definir a noção de números menores, evitando redundâncias, ambiguidades ou complicações. É assim que a matemática opera, ela busca a essência das estruturas abstratas que operam nas nossas mentes e as traz à tona, de um modo completamente preciso e manipulável ( dentro da matemática ). Todas as complicações, acredite se quiser, vem naturalmente como consequências lógicas dessas coisas simples e inocentes.
O leitor atento deve ter notado que eu não provei ainda a afirmação que dei no início. Como eu disse, primeiro é necessário saber do que estamos falando. Agora nós estamos sabendo, mas a continuação ficará para a próxima vez!
Um abraço!